POEMA GLS

POEMA COMO MOTE PARA SOLIDÃO SEM FIM

Os tubarões andam se alimentando de surfistas.
Aquele navio asiático permanece ancorado
com porões cheios de carne estragada.
Tenho medo, Mamãe, do Canibal de Milwaulkee.
Tenho medo do assassino que mata casais na praia.
Tenho medo de ser torturado por policiais
por causa do beijo que dou em meu namorado.
Tenho medo de ser currado por eles.
Cobram caro pelo flagrante de um abraço.
Não temos glória, Mamãe.
Só uma luta infinda.
Pedradas. Imprecações.
Eles não nos aceitam, Mamãe, só suportam
nossas cores, nossas gargalhadas,
nossos falsos decotes, nossos quadris, peitos e
bundas
de silicone e anabolizantes.

Mas somos mais desaforadosque eles, Mamãe,
Porque não podem nos eliminar a Todos.

Tom (Tom Zine)




PRIMAVERA DE EDUARDO

... "Todo anjo é terrível" - Rilke

No mês de setembro,
Juliano, que prefere
ser chamado de Eduardo,
transou com
um motorista de táxi,
um vendedor de crack,
um bêbado,
um cantor decadente,
um trocador de ônibus,
um pedreiro,
um feirante
e um vigia de prédio.

Nenhum deles
foi ao seu enterro,
mas inexplicavelmente
seu túmulo permanece florido
no mês de setembro...





POEMA NENHUM

Árido
Como peixe ao sol

Ácido
Como a zona morta
Entre a parabólica
E o pára-raios

Funerário,
Feito a cama
Para o Amante
Inexistente



TAPEÇARIA COM DUAS FIGURAS

(Composição simples de pernas e braços
Seu rosto pálido em minha janela )

É em sua fragilidade que avanço minhas vontades
E tenho-o como presa
Encarcerado animal – em extinção –

Sua voz rouca brinca em remoinhos
Entre eu e você – aproxima-se o desejo –
Nossos lábios em sons selados
Cola almas perdidas em devaneios

Não há mistério entre uma mão e todos os dedos
Seu olhar, ainda furtivo,
Brinca em sua face de homem-menino

Cubro-o como se cobre a noite em delicado nevoeiro
Protejo-o dos fantasmas de seus pesadelos
Entrego meus gritos ao eco e rastejo
Minha carne assim, abençoada…

Sergio Godoy





UM POUCO DE HISTÓRIA

Em toda a minha vida
prendi que chupar sorvete
Era melhor que chupar os dedos

Brinquei com tantos homens
Sem saber se fui
Perverso
Ou ingênuo





(A POLÍTICA DO CORPO EM FOGO DO CORPO EM CHAMAS
DO CORPO EM FOGO) APAGANDO A LUZ as trevas devoram
teu corpo em chamas tua boca aberta teu suicídio
de prazer na grama tuas mãos colhendo meu rosto
de folhas machadas na escuridão teu gemido à sombra
das cuequinhas em flor teus cabelos são solidamente negros






Atentado Profundamente o Emocional
(Antinoo, ragazzo di marbro)

garoto pornógrafo
antes que a lua chegue
esta feijoada será uma batalha

Átila vence a grama do mundo
ADIANUS CESAR Imperator
caminhando na manhã romana com seus doze amantes
eu gostaria que você lesse Jacob Boehme
suas coxas se retesam
& você chora um pouco
venha, lamba minha mão &
se prepare para um milhão
de comas loucas loucas
antes que a lua chegue
morda meu coração na esquina
& não me esqueça

Roberto Piva



NO COMEÇO VOCÊ FOI MAIS GENTE

No começo você foi mais quente.
Entrava batendo a porta
correndo - me entregava as flores
murchas que o trem secou.
Rondava o prato de leite,
bichano, terno, barbudo,
olhava o mundo por mim.

No começo você foi mais gente.
Andava a rua comigo,
o braço apoiado - e eu
podia ainda beijar
teu rosto e saber por que.

No começo você foi eterno.
Parecia feito em sal.
Eu levava os lábios sôfregos
e ungia o teu corpo todo.
Você não se desprendia,
vibrava em mim,
vivia em mim
trepava.

No começo foi somente amor.


BALADA PARA MADAME SATÃ
Madame Satã,
acabaram de me contar
que você andou por aqui.
Não forneceram detalhes,
mas eu imagino.

Gostaria de saber de ti:
possuias algum cãozinho,
cativo, para alimentar?
Havia o teu, particular,
que afagavas e, modorrento,
botavas para dormir - cheiroso?...

Sim - madame divina!
eu penso.
Precursora, poderosa,
Lampião do asfalto.
A Lapa tremia contigo,
vibrava, amava contigo,
trepava.

Pelo menos ficou urna certeza:
vão demolir toda a Lapa,
mas teu nome vai ficar,
enorme - suspenso no ar.
Bojudo, grave,
prenhe de emoção e de glória.

Eu agora estou no palco,
Samuai,
que foi o teu viver.
Mas não tenho tua força
de expressão,
a ginga.
Ogum não quis me dar
- ele sabe...
o chapéu de Panamá, a voz,
as noites, o bordel.
Tudo isto era muito teu,
muito nosso.
Gostaria de te cochichar
as últimas que ouvi na Lapa.
O malandro aposentou-se,
Vive agora de welfare state,
a noite agora é outra,
poluída, massiva,
Lasciva, ainda, mas morta.
Levaste um pouco da Lapa,
ou tudo - a Lapa
não é mais aquela.
Trocaram muito de vez,
e a bunda dela agora é kitch,
sucesso, fora de ângulo, démodé
Ficou teu brinco, o charme,
a tônica, a perna no ar,
capoeira e pinga.
As paredes da Lapa, Satã,
são eternas,
e nelas você está definitivamente,
preto, feroz, uma pedra.

Paulo Augusto



ROMEU E EU
(conto dialético e, ipso facto, poema romântico)

Eu quero brincar com você.
Papai não deixa.
O Diretor proíbe.
A Esquerda se opõe.

Você me chama
e eu morro de vontade.
Papai me ameaça.
O Diretor me intima.
A Esquerda me aterroriza.

Saio escondido,
procuro por você,
mas eles me acham.
Papai me bate.
O Diretor me põe de castigo.
A Esquerda atenta contra mim.

Fico esperando,
você me procura,
nos encontramos no escuro,
nos pegam em flagrante.
Papai me expulsa.
O Diretor me interna.
A Esquerda me seqüestra.

Escapo e sobrevivo,
mas você não está livre.
É filho de seu Papai.
Disciplinado ao seu Diretor.
Prosélito da sua Esquerda.

Vivo solitário, você prisioneiro,
e não podemos brincar.
Castram nossa infância
porque você é igual a mim,
sua vontade igual à minha,
mas nos fazem diferentes.

Glauco Mattoso


EMBALAGEM

"O falo é um fardo o corpo, a farda da farsa, e eu sou o grito, o berro, o urro, o erro minhalma é uma menina e meu corpo uma mentira não sou homem nem mulher um ser que sobra e falta e desencontra num mundo diferente de todos os mundos, o que me conduz é a impossibilidade o que me reduz é a incompreensão olham-me como se eu fosse um bicho de outra espécie e riem e criticam e excluem e odeiam como se eu fosse um pecado, um errado, doente ou sacana. Pobre de nós, mulheres encarceradas em corpo que não é o nosso como uma alma penada sapato apertado que não nos pertence assim eu me sinto cheio de calos, sufocado, asfixiado, apaixonado e o espelho me nega e eu me acho um bicho de outra espécie, pecado, errado doente ou sacana. Ah, mas às vezes eu penso que sou uma mulher enfeitiçada que teve alterada sua forma mas que um dia vai se quebrar o encanto e todo esse engano vai acabar como se eu tivesse sido sempre uma menina encantada.
Que troca de embalagens foi esta aí dos deuses que já me mandaram nascer nesse mundo enjoado com desvantagem encarnando minhalma em corpo errado como se houvesse um corpo de homem sobrando e uma alma feminina condenada? "



Que tal este com duplo sentido?
"Atração:
Ela está entreaberta
Querendo com meus lábios ser coberta
Está pingando, molhada.
Querendo ser chupada.
Eu me aproximo
Sinto o cheiro adocicado.
Sinto o estímulo
E há um desejo a ser saciado.
Chupo, absorvo e me deleito.
Sinto o gosto enquanto espremo.
O caldo escorre, da boca cai no peito.
Sinto um prazer ao extremo.
Fico cansada de tanto sorver e chupar
Suas partes que foram tomadas
Em minhas mãos e meu paladar.
A vontade foi saciada.
Cada célula sugada
E em minha boca derramada.
Que delícia, fruta bendita...
...Essa laranja saboreada!
Joana Darc Brasil*
*Direitos reservados à autora"


CORES DA AVENIDA

A avenida, decoradíssima,
Hiper-multi-coloridíssima,
Mil faixas de
arco-íris,
Para magna festa gay.

Personalidades gentilíssimas
Vestidas
muito curiosíssimas.
Fazem as honras do evento,
Pra quem quiser
participar.

E vão chegando lindíssimas,
Ornadas com pedrarias
riquíssimas,
Loucura, loucura, parece uma balburdia,
Mas tudo é
muito bem organizado.

Então o clarim anuncia, vai começar a
parada,
Dos balangandãs, gritos, e sons alucinantes,
De gentes que
fazem a festa ser hilariante,
Deles, os gays, lésbicas e
simpatizantes.